Ultrassom em Reprodução Humana - uma nova subespecialidade

Demorei um tempo para me dar conta disso, mas é provável que eu seja o único ou um dos poucos médicos radiologistas trabalhando full time em um centro de reprodução humana.

Mais improvável ainda é ser um médico não ginecologista/urologista como sócio-fundador de uma clínica de reprodução.

Claro que, sendo radiologista, entrar no mundo da reprodução não foi algo natural. Ninguém se especializa em radiologia com a intenção de trabalhar exclusivamente com reprodução humana.

A migração foi algo gradual, influenciado fortemente por minha sócia-esposa, Ângela D'Avila.

Dentro de muitas áreas que a radiologia e o diagnóstico por imagem oferece, fui afunilando as especialidades e os métodos de imagem, restando hoje o que considero uma nova subespecialidade: o Ultrassom em Reprodução Humana.

O que ocorre hoje em um centro de reprodução humana é a realização do ultrassom pelo próprio médico fertileuta desde a primeira consulta para realização de uma avaliação inicial, incluindo a contagem folicular e avaliação de alterações anatômicas, até toda a condução do tratamento.

Muitos médicos fertileutas são exímios ultrassonografistas, experientes, dedicados e não deixam nada a desejar na comparação com um especialista em ultrassom.

No entanto, nem todos fertileutas têm a mesma experiência. 

Muitos médicos são ótimos na avaliação da reserva ovariana, controle do estímulo ovariano e preparo endometrial para transferência embrionária, mas não possuem o treinamento necessário para o diagnóstico das patologias da pelve.

O diagnóstico correto das alterações na pelve feminina reduz custos para a paciente, diminui o tempo de espera para retorno com exames após a consulta e "reclassifica" uma infertilidade sem causa aparente.

Outro ponto é que, em grandes clínicas, o fluxo das pacientes em tratamento pode ser muito grande e o tempo gasto com as ultrassonografias diárias ocupa um tempo precioso que poderia estar sendo ocupado por primeiras consultas, reduzindo um gargalo de muitos centros.

Pode-se argumentar que estes exames podem ser solicitados em uma clínica externa e tudo estará resolvido, porém, a troca diária e próxima de experiências entre o ultrassonografista e o fertileuta eleva o diagnóstico a outro patamar. 

Há detalhes do dia-a-dia de um centro de reprodução e das preferências individuais de cada fertileuta que apenas o contato diário com a especialidade pode trazer.

Além disso, a comodidade de se realizar todos os exames na mesma clínica é um diferencial, ainda mais em um momento que se fala tanto em tornar a jornada da paciente mais agradável, mais simples e mais segura.

O que proponho é a presença de um médico especialista em ultrassom diariamente dentro de um centro de reprodução humana, realizando algumas ou todas estas etapas da jornada da paciente:

Ultrassom para avaliação da fertilidade (exame da investigação inicial) :

Esta avaliação inicial contempla:

• Ultrassom Transvaginal 2D/3D

• Mapeamento de Endometriose com Preparo Intestinal

• Histerossonografia

• HyCoSy ou Histerossonosalpingografia ou Sono-Histerossalpingografia.

Com estes métodos é possível realizar diagnóstico de causas uterinas (miomas, pólipo, sinequias), ovarianas (baixa reserva, falência ovariana precoce, síndrome dos ovários policísticos), tubárias (hidrossalpinge, alterações tubárias sem hidrossalpinge) e peritoniais (endometriose, aderências, bloqueios pélvicos).

Controle de estimulação ovariana e preparo endometrial :

Neste caso, acho muito melhor o próprio esterileuta conduzir estes exames, pois há um conhecimento tácito e uma maneira particular de acompanhar suas pacientes que é difícil de ser emulado.

No entanto, como eu disse anteriormente, o alto fluxo de exames na rotina de uma clínica, além da necessidade de se realizar exames em feriados e finais de semana, demanda mais profissionais para esta tarefa.

Além disso, muitos médicos esterileutas, ou até mesmo ginecologistas que realizam seus casos em consultório, não realizam ultrassom, demandando um profissional de imagem confiável que realize este seguimento.

Punção para captação de óvulos

Dificilmente, um médico especialista em ultrassom terá treinamento específico para captação de óvulos e precisará ser ensinado, porém, como muitas residências médicas em radiologia e diagnóstico por imagem preparam os seus profissionais para os mais diversos procedimentos invasivos guiados por ultrassom, a uma curva de aprendizagem para a punção será menor.

Este é um procedimento operacional que toma tempo para sua realização e pode ser realizado pelo ultrassonografista a fim de liberar o médico especialista em reprodução para o atendimento de consultas.

Guia para transferência embrionária e passagem de catéter

Apesar de parecer simples, na minha experiência, o guiamento por ultrassom para a transferência embrionária não é tão fácil de ser realizado. 

Percebo maior facilidade no ensino de fellows para a punção ovariana em comparação ao ensino da guia para transferência.

Imagino que a pouca experiência de médicos esterileutas com ultrassom abdominal e a diferente orientação espacial na comparacão com o exame transvaginal possam influenciar.

Um guiamento inadequado pode levar a transferências mais traumáticas que sabidamente podem reduzir taxas de gestação.

Ultrassom obstétrico

Normalmente, uma paciente recebe "alta" de uma clínica de reprodução somente após a confirmação de um ultrassom obstétrico inicial normal. Algumas vezes, são necessários dois exames para a confirmação de gravidez clínica viável.

Esta avaliação inicial precisa ser realizada por um ultrassonografista com a confecção de um laudo assinado. 

A determinação da viabilidade da gestação nem sempre é tarefa fácil de ser realizada, necessitando uma maior experiência do examinador.

Além disso, o diagnóstico de complicações como gestação ectópica e gemelaridade necessita do especialista em imagem para ser melhor conduzido.

Ultrassom testicular

Não é comum a realização pelos os médicos esterileutas, exceto os urologistas, do ultrassom testicular.

Frente à alta prevalência de fator masculino para a infertilidade do casal, este exame frequentemente está na lista de exames solicitados para avaliação inicial.

Oferecer este exame na clínica é um diferencial de conforto para o paciente em um momento especialmente delicado.

A presença do ultrassonografista em um centro de reprodução humana oferece muitas vantagens aos médicos fertileutas e aos pacientes, trazendo maior segurança nos diagnósticos e celeridade em todo processo investigativo, ganhando tempo que é um ativo fundamental para a resolução dos problemas do casal infértil.